Tales de Mileto (c. 624 – 547 a.C.) foi um filósofo, astrônomo, engenheiro, matemático e político grego. Ele é considerado o fundador da Escola de Mileto e o precursor do período pré-socrático, que marcou o início do pensamento racional na Grécia antiga.
Tales procurou um princípio (arché) que explicasse a origem da natureza física (physis). Ele defendia que a água era esse princípio e que todas as coisas tiveram origem a partir dela.
Biografia
Vida e atividades
Tales, filho de Examias e Cleobuline, nasceu por volta do ano de 624 a.C. na cidade-estado grega de Mileto, na Jônia, situada hoje em dia na Turquia. Sua morte ocorreu em 547 a.C., aos 77 anos. Sua família possuía ascendência fenícia[1].
Conforme o relato do historiador Heródoto, Tales participou ativamente da política da sua cidade, dando conselhos aos jônicos. Ele foi descrito não só como político, mas também como um grande engenheiro. Ele conseguiu escavar um profundo canal no rio Hális, permitindo que as águas mudassem de direção, o que possibilitou que o exército de Creso cruzasse para a outra margem[2].

Viagem ao Egito e influências
Fontes antigas contam que Tales viajou ao Egito. É bastante viável este relato, visto que a cidade de Mileto possuía estreitas relações com sua colônia, Náucratis, uma antiga cidade do Egito antigo. Outro fato que corrobora a ida ao Egito é a sua teoria criada para explicar as inundações do rio Nilo[3].
No Egito, Tales teria aprendido a geometria egípcia (cálculo de distâncias e alturas segundo a igualdade e semelhança de triângulos) e introduzido tal conhecimento na Grécia[4]; sua teoria de que a terra flutua sobre a água também pode ter influência egípcia.

Graças ao seu conhecimento de geometria, ele conseguiu medir a altura das pirâmides do Egito através de suas sombras[5]. Não se sabe se tais histórias são verídicas, mas em todo caso, são indicativos da fama que Tales tinha em seu tempo.
A tese de Tales de que a terra flutua sobre as águas (como veremos mais tarde) pode ter sido influenciada pela cosmologia mitológica do Antigo Oriente Próximo[6]. Aristóteles acreditava que Tales teria formulado suas ideias por influência do mito de Oceanus, mas tudo isto não passa de conjecturas sobre este enigmático filósofo de Mileto.
Tales e a astronomia
Previsão de um eclipse solar
Segundo Heródoto, Tales previu o eclipse solar ocorrido em 28 de maio de 585 a.C. A mudança repentina do dia para noite motivou o término da guerra entre medos e lídios[7].
Acredita-se que Tales não estabeleceu uma data exata, mas sim aproximada para o eclipse, e que sua previsão se deu a partir do seu contato com os registros astronômicos dos babilônios. A predição do eclipse pode ter sido feita por meio de uma série de observações empíricas, e não propriamente de uma teoria astronômica mais complexa[8].
Por outro lado, alguns estudiosos contestam totalmente a veracidade deste relato, apontando para as implicações cronológicas e historiográficas contidas na própria obra de Heródoto. “Nenhum eclipse real”, afirma Mosshammer, “atende às exigências da narrativa de Heródoto”[9].
Embora não haja dúvidas de que um eclipse solar ocorreu em 28 de maio de 585 a.C., Tales não teria possibilidades de prevê-lo. A atribuição dessa previsão a ele, não passa de uma tradição oral:
[…] Tales pode ter sido jovem demais para qualquer tipo de atividade científica na época da batalha dos lídios e medos. […] A história o retratou como tendo previsto o eclipse precisamente porque tal previsão era impossível, tanto no momento do eclipse quanto durante todo o período em que a história estava circulando. Um fato extraordinário (o eclipse) merece outro (a batalha) e ainda outro (a predição). A versão final como a temos de Heródoto pode ser melhor entendida como uma assimilação literária do que antes eram relatos inteiramente separados sobre o eclipse, a batalhas dos lídios e medos e os interesses astronômicos de Tales.
MOSSHAMMER, 1981, p. 154.

Descoberta da Ursa Menor
Tales também teria medido a constelação Ursa Menor, sugerindo aos marinheiros de Mileto que se guiassem por ela[10]. As constelações de Ursa Menor e Ursa Maior eram de grande importância para as navegações.
Tales tinha um profundo interesse pelas observações astronômicas. Segundo uma anedota contada por Diógenes Laércio, o filósofo se distraiu observando os astros e acabou caindo num profundo poço, e ao gritar pedindo socorro, uma mulher lhe disse:
Como pretendes, Tales, tu, que não pode sequer ver o que está à tua frente, conhecer tudo acerca do céu?
DIÓGENES, I, 1, 22-44.

Obras
Algumas fontes antigas (Simplício, Diógenes, Hesíquio) atribuem a Tales certas obras[11], como:
- Guia Náutico pelos Astros;
- Sobre o Solstício;
- Sobre o Equinócio;
No entanto, estudiosos modernos questionam a autenticidade de tais escritos[12]. Algumas evidências apontam para isso, como o fato de Diógenes ter afirmado que Tales nada escreveu, e ter atribuído o Guia Náutico pelos Astros a Foco de Samos[13]. Aristóteles, pelas expressões cautelosas que usou ao comentar a filosofia de Tales, parece não ter tido contato direto com alguma obra de Tales[14].
Filosofia
Como Tales não deixou nada escrito, suas ideias são conhecidas graças aos registros dos doxógrafos, antigos escritores que compilavam e registravam a vida e opiniões dos filósofos e intelectuais da antiguidade.
As principais ideias da filosofia de Tales podem ser resumidas nos seguintes pontos:
- A água é a arché, o princípio de todas as coisas;
- Todas as coisas são cheias de deuses;
- Todas as coisas têm alma e vida;
- A terra flutua sobre as águas;
A água como arché
Tales de Mileto foi o primeiro a propor a existência de um princípio (arché) para explicar a origem de todas as coisas e, segundo ele, este princípio é a água.
Ele chegou a esta conclusão ao observar que todas as coisas se nutrem do úmido; o calor é gerado a partir da umidade e por ela se conserva. Além disso, as sementes, as plantas e os alimentos são úmidos, e tudo que morre, seca.
Sobre a filosofia de Tales, Aristóteles comentou:
Os que por primeiro filosofaram pensaram que os princípios de todas as coisas fossem exclusivamente materiais. Eles afirmam que aquilo de que todos os seres são constituídos e aquilo de que originariamente derivam e aquilo em que por último se dissolvem é elemento e princípio dos seres, na medida em que é uma realidade que permanece idêntica mesmo na mudança de suas afecções. Tales, iniciador desse tipo de filosofia, diz que o princípio é a água, por isso afirma também que a terra flutua sobre a água, certamente tirando esta convicção da constatação de que o alimento de todas as coisas é úmido, o próprio calor provém e vive graças a ele, e também do fato de que as sementes de todas as coisas têm uma natureza úmida, sendo a água o princípio da natureza das coisas úmidas.
Metafísica, I, 3.
A teoria de que tudo provém da água não significa necessariamente que Tales acreditasse que a Terra e seu conteúdo fossem, de certo modo, água ou que houvesse qualquer relação de continuidade entre eles[15].
Cosmologia
Tales acreditava que a terra flutuava sobre as águas, movendo-se como um navio. Os tremores de terra seriam causados pelos movimentos das águas[16]
O filósofo de Mileto também teria sido o primeiro a determinar o curso do sol de solstício a solstício, além disso, estipulou o tamanho do sol, que corresponderia à 720ª parte do círculo solar[17].
Hilozoísmo
Tales acreditava que tudo, incluindo os seres inertes, possuíam alma e vida. Esta doutrina ficou conhecida como hilozoísmo, termo derivado do grego: hyle (matéria) e zoe (vida).
Para provar esta doutrina, ele recorreu ao exemplo do ímã que atrai o ferro pela força magnética. O movimento gerado pelo ímã provaria que todas as coisas possuem alma, vida[18].
Além disso, sua afirmação de que “tudo está cheio de deuses” pode estar relacionada com a afirmação de que tudo tem vida.
Conclusão
Infelizmente, não há muitos detalhes sobre a vida e a filosofia do primeiro filósofo grego, e a maior parte dos testemunhos são cercados de anedotas e lendas a seu respeito.
Não se sabe com certeza o que teria influenciado e impulsionado Tales à investigação filosófica. Alguns estudiosos acreditam que suas ideias foram influenciadas pelas tradições e religiões dos povos do oriente, outros consideram seu pensamento totalmente original.
Sem dúvidas, Tales deu um grande passo para a filosofia ao substituir a explicação mítica pela explicação racional. Os deuses foram substituídos por elementos ou substâncias naturais para explicar o mundo e os eventos da natureza.
Quadro sinóptico
Filósofo | ![]() Tales de Mileto |
Nascimento – Morte | 624 a.C. – 547 a.C. |
Obras | Nada escreveu |
Período | Pré-socrático |
Escola/doutrina | Jônica Milesiana |
Principais ideias | Água como arché Hilozoísmo |
Influenciado por | Astronomia babilônica Geometria e religião egípcia |
Influenciou | Anaximandro Anaxímenes Xenófanes |
FAQ
Para Tales de Mileto o princípio originário de tudo é a água.
A filosofia da physis é a filosofia da natureza, caracterizada pela busca de um princípio (arché) pelo qual todas as coisas procedem.
A concepção de deus de Tales está ligada com a sua teoria da água. Ele dizia que “tudo está cheio de deuses”, referindo-se ao princípio originário de tudo.
O panpsiquismo, ou hilozoísmo, é uma teoria defendida por Tales de Mileto, que afirma que tudo tem alma/vida.
Referências
ARISTÓTELES. Metafísica. Tradução de Edson Bini. São Paulo: Edipro, 2006.
BORNHEIM, Gerd A. (Org.) Os filósofos pré-socráticos. São Paulo: Cultrix, 1998.
BURNET, John. A aurora da filosofia grega. Trad. de Vera Ribeiro. São Paulo: Contraponto, 2006.
COPLESTON, Frederick. Historia de la filosofia, Grecia y Roma. Trad. Juan Manuel García de la Mora. México: Ariel, 1983.
DIÓGENES LAÉRTIOS. Vidas e doutrinas dos filósofos ilustres. 2. ed. Tradução de Mário G. Kury. Brasília: Editora UnB, 2008.
EUCLIDES. Os Elementos. Tradução de Irineu Bicudo. São Paulo: UNESP, 2009.
HERÓDOTO, Histórias. Disponível online (em inglês) em: <https://www.perseus.tufts.edu/hopper/text?doc=Perseus:text:1999.01.0126>. Acesso em: 21 de fev. de 2023.
KIRK, G.S., RAVEN, J.E. e SCHOFIELD, M. Os Filósofos Pré-Socráticos: história crítica e seleção de textos. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1983.
MARÍAS, Julián. História da Filosofia. Trad. Claudia Berliner. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
MOSSHAMMER, Alden A. Thales’ Eclipse. Transactions of the American Philological Association, v. 111, p. 145-155, 1981. Disponível em: <https://www.jstor.org/stable/284125>. Acesso em: 25 de fev. de 2023.
SHIELDS, Christopher (editor). The Blackwell Guide to Ancient Philosophy. Blackwell Publishing ltd., 2003.
QUEREJETA, Miguel. On the Eclipse of Thales, Cycles and Probabilities. Culture and Cosmos, v. 15, p. 5-16, 2011. Dispo
Notas
- DIÓGENES, I, 1, 22-44. ↑
- HERÓDOTO, I, 170, 75. ↑
- KIRK et al., 1983, p. 76-77. ↑
- PROCLO, Elementos de Euclides, I, p. 38: “E Tales, primeiramente tendo ido ao Egito, transportou para a Grécia essa teoria e, por um lado, descobriu muitas coisas, e, por outro lado, mostrou os princípios de muitas para os depois dele”. ↑
- DIÓGENES, I, 1, 27. ↑
- KIRK et al. 1983, p. 90. ↑
- HERÓDOTO, I, 74. ↑
- KIRK et al., 1983, p. 79. ↑
- MOSSHAMMER, 1981, p. 151. ↑
- KIRK et al., 1983, p. 81. ↑
- KIRK et al., 1983, p. 83-84. ↑
- KIRK et al. (1983) afirma: “Os testemunhos não permitem uma conclusão segura, mas o que é provável é que Tales não tenha escrito um livro”. ↑
- DIÓGENES, I, 1, 23. ↑
- Expressões como: “ao avaliar pelo que se conta”, ou “a explicação que, segundo se diz, Tales…”, demonstram que Aristóteles não tinha certeza da autenticidade das opiniões antigas atribuídas a Tales. ↑
- KIRK et al. 1983, p. 88, 91. ↑
- Sêneca, Naturales quaestiones. III, 14. Disponível (em Latim) em: <https://www.thelatinlibrary.com/sen/sen.qn3.shtml> ↑
- DIÓGENES, I, 1, 24. ↑
- ARISTÓTELES, De anima, I, 2. ↑
Como citar este artigo
VIEIRA, Sadoque. Tales de Mileto. Filosofia do Início, 2021. Disponível em: https://filosofiadoinicio.com/tales-de-mileto/. Acesso em: 24 de Mar. de 2023.