O conceito de substância tem um papel central na metafísica de Aristóteles. Aliás, o próprio Estagirita define a ciência metafísica como teoria da substância.
Em suas investigações metafísicas, Aristóteles buscou categorizar todos os sentidos de ser, daí sua famosa frase: “o ser pode ser dito de diversas maneiras“.
Aristóteles vai em direção oposta à metafísica dos filósofos eleatas: Parmênides e Zenão, que acreditavam que o ser era Uno, isto é, só poderia ser dito de uma única forma.
Mas afinal, como entender o conceito de substância em Aristóteles?
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O que significa substância em Aristóteles?
A palavra οὐσία (ousia) deriva do particípio presente do verbo ser em grego εἶναι (einai). Os filósofos latinos traduziram este termo aristotélico como essentia (essência) ou substantia (substância).
Aristóteles no livro V da Metafísica, define substância da seguinte maneira:
o que é substrato último, o qual não é predicado de outra coisa;
E no livro VII, diz de modo semelhante:
ela é o que não se predica de algum substrato, mas aquilo de que todo o resto se predica;
Neste sentido, substância é aquilo pelo qual todas as outras propriedades dependem para existir. Ela é como o fundamento de todos os predicados.
No entanto, nosso filósofo grego não para por aí. Assim como o ser, a ideia de substância possui outros sentidos.
Matéria, forma e sínolo
No Livro VII, o Estagirita apresenta outros 3 sentidos que substância pode ter, a saber:
- matéria: por exemplo o mármore
- forma: a configuração formal de algo
- sínolo: isto é, o conjunto de matéria e forma
No entanto, Aristóteles pondera afirmando que somente num sentido bastante impróprio, substância pode significar matéria. Enquanto forma e sínolo, expressam melhor a ideia de substância.
O antigo problema do devir: da potência ao ato
Aristóteles busca também, com a ideia de substância, resolver o problema do movimento/mudança (kínesis).
Não satisfeito com a opinião dos eleatas, que afirmavam que as mudanças que ocorriam no mundo eram ilusórias, nem com a opinião de Heráclito que afirmava que “tudo flui”, Aristóteles apresenta os conceitos de ato e potência para explicar como o devir realmente existe na realidade.
Segundo Aristóteles, toda mudança implica uma passagem da potência ao ato. Um papel em branco tem potência (possibilidade) para receber um desenho qualquer. Ao desenhá-lo, ele passa de papel desenhado em potência para papel desenhado em ato.
Enquanto substância constituída de matéria e forma, o papel permanece o mesmo nesta mudança; o que apenas mudou nele foi receber uma modificação acidental.
Ou seja, nem tudo é estático, como queria Parmênides, nem tudo está em constante mudança, como acreditava Heráclito.
Deste modo, Aristóteles preserva também o princípio de identidade: tudo é idêntico a si mesmo, até mesmo nas mudanças. Por exemplo, o papel no qual o poeta escreve, sempre será idêntico a ele mesmo, até mesmo amassado. A mudança, diferentemente do que acreditavam os eleatas, não altera a substancialidade de algo.
A própria palavra substância, que vem do latim (sub, stare: estar debaixo; estar firme), transmite esta ideia de uma permanência na mudança.
Substância e Acidente
Pode-se dizer que substância é aquilo que é apto para existir em si.
Enquanto o acidente é aquilo que só existe em outro, ou seja, o acidente depende da substância para existir.
Por exemplo, a brancura é uma qualidade acidental; o branco não pode existir em si. Nunca veremos a brancura em si na realidade; ela sempre dependerá de uma outra coisa para existir.
Além disso, uma qualidade acidental pode deixar de existir sem que a substância, na qual inere, deixe de existir. Uma parede branca pode deixar de ser branca sem deixar de ser parede. Neste sentido, acidente é uma característica que não faz parte da essência de uma coisa.
Os dez gêneros do ser para Aristóteles
Na introdução falamos sobre os diversos sentidos do ser. Segundo Aristóteles, o ser se divide em dez categorias:
- substância (essência)
- quantidade
- qualidade
- relação
- ação
- paixão (sofrer)
- lugar
- quando
- jazer
- ter
A ideia de substância em Aristóteles tem uma certa prioridade ontológica, pois é por ela que todos os outros modos de ser dependem para existir. A quantidade, ou a qualidade, por exemplo, sempre serão propriedades de uma substância.
Conclusão
O conceito de substância em Aristóteles é, portanto, o fundamento de toda realidade. É por ela que o Estagirita também formula outros conceitos fundamentais de sua metafísica, como a noção de matéria e forma, potência e ato, essência e acidente.
O termo grego ousia carrega algumas dificuldades linguísticas, pois historicamente a tradução como substantia tende a significar sujeito (ὑποκείμενον – hypokéimenon), enquanto essentia tenderia a significar o que Aristóteles cunhou de τὸ τί ἦν εἶναι (to ti ên einai), que significa quididade.
O fato é que ousia é empregado por Aristóteles realmente nestes dois sentidos. Neste caso, cabe uma investigação hermenêutica mais aprofundada para determinar o correspondente mais exato nas línguas modernas.
Referências
ARISTÓTELES. Metafísica, ensaio introdutório, texto grego com tradução e comentário de Giovanni Reale, (tradutor: Marcelo Perine). Vol. I e II. São Paulo: Edições Loyola, 2001.
REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da filosofia: filosofia pagã antiga. São Paulo: Paulus, 2007.
MESQUITA, António Pedro. Obras completas de Aristóteles: Introdução geral. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda. 2005.
Como citar este artigo
VIEIRA, Sadoque. Substância segundo Aristóteles. Filosofia do Início, 2021. Disponível em: https://filosofiadoinicio.com/substancia-em-aristoteles/. Acesso em: 09 de Jun. de 2023.