O poema de Parmênides intitulado Sobre a natureza inaugura a primeira investigação filosófica sobre o ser.
Diferente da maioria dos filósofos antecessores que procuravam identificar um elemento material como a arché do cosmos (fogo, água, ar, terra, etc.), Parmênides percorre um caminho inovador, o caminho do ser, caracterizando, deste modo, uma das primeiras investigações propriamente ontológica (teoria sobre o ser).
Após Parmênides, alguns filósofos, como Zenão de Eléia e Melisso de Samos, seguiram sua proposta filosófica propondo novos argumentos e desenvolvimentos.
O prólogo do poema de Parmênides
Parmênides inicia seu poema, tal qual Homero na Ilíada, com uma referência aos deuses. O filósofo, assim como outros pré-socráticos, está situado em um período da história na qual a filosofia dá seus primeiros passos em direção a uma investigação racional do cosmos, por isso é comum, dentre eles, encontrar certas referências aos deuses ou algum outro elemento mítico em suas teorias filosóficas.
O objetivo filosófico do poema é resolver alguns problemas concernentes ao conhecimento racional e sensível: o que é o ser? Há movimento na realidade? Podemos pensar o nada? Qual é o caminho da verdade?
A verdade e a opinião dos homens mortais
No primeiro fragmento do poema de Parmênides, a deusa opõe verdade e a opinião dos homens mortais, esta última, acrescenta ela, “não há fé verdadeira”, portanto não pode haver qualquer harmonia entre a Verdade e opinião dos mortais. De início, pode-se dizer que a verdade está ligada ao ser, e a opinião à aparência.
E a Deusa, com boa vontade, acolheu-me, e em sua mão; minha mão direita tomou, desta maneira proferiu a palavra e me saudou: Ó jovem acompanhado por aurigas imortais, que, com cavalos, te levam ao alcance de nossa morada, salve! […] Mas é preciso que de tudo te instruas: tanto do intrépido coração da Verdade persuasiva quanto das opiniões de mortais em que não há fé verdadeira.
A deusa, personificação da Verdade, indica à Parmênides três vias.
A primeira via
A primeira via é “para o que é e, como tal, não é para não ser”. Esta via é a via do ser e, portanto, a via da Verdade. Para Parmênides, o ser é não gerado e imperecível, diz ele no fragmento 8:
Ainda uma só palavra resto do caminho: que é; sobre este há bem muitos sinais: que sendo ingênito também é imperecível. […] Nem nunca era nem será, pois é todo junto agora, uno, continuo; pois que origem suas buscarias?.
Através deste fragmento esclarecedor, podemos compreender como Parmênides concebe o ser. Primeiramente, a via do ser é a única via que pode ser pensada, conhecida.
Segundo Parmênides o ser é não-gerado, Uno, indivisível e, obviamente, é negado sua multiplicidade.
O ser é “todo junto agora”, isto é, imóvel, imutável. Esta concepção ontológica do ser de Parmênides está muito alinhada ao princípio lógico de identidade, que estabelece que todo ente é idêntico a si mesmo.
A segunda via
A segunda via é “para o que não é, e como tal, é preciso não ser“, ou seja, esta é a via do não-ser (do erro) que, enquanto tal, não pode nem sequer pensá-la, pois não pode ser conhecida, nem discursada, como Parmênides o diz:
Não permitirei que tu digas nem penses que do não ente: pois não é dizível nem pensável que seja enquanto não é.
Daí sua famosa frase: o ser é e o não ser não é.
Para Parmênides, tanto o pensamento quanto a linguagem só podem ser exercidos e direcionados ao ser, para aquilo que existe.
A terceira via
Além da primeira e segunda via, Parmênides fala sobre uma terceira via que é da opinião dos homens mortais, que é uma mediação entre as duas primeiras, como é dito no fragmento 6:
nada sabem forjam, bicéfalos; pois despreparo guia em frente em seus peitos um espírito errante; eles são levados, tão surdos como cegos, estupefatos, hordas indecisas, para os quais o existir e não ser valem o mesmo e não o mesmo, de todos o caminho é de ida e volta
Isso quer dizer que esta é uma via do engano, na qual o homem julga misturando ser e não-ser.
Isto ocorre quando se admite a realidade do movimento no mundo sensível. Ora, a percepção do mundo sensível nos apresenta um mundo em constante mudanças, somos levados a dizer que um objeto qualquer, por exemplo um animal, deixou de existir, pereceu.
Conclusão
O problema que Parmênides busca solucionar em seu poema é esta aporia ontológica na qual, acreditando na percepção sensível, somos levados a afirmar que o ser se tornou não-ser ou que o ser nasce, em determinado momento, o que é, para Parmênides, absurdo.
É o famoso problema do movimento que Aristóteles também tentará resolver com sua tese sobre a natureza do movimento
Parmênides busca demonstrar que o mundo sensível, da aparência, é enganador; o múltiplo e pluralidade do ser não é possível, pois o ser é absolutamente uno. Esta é, aliás, a opinião (doxa) na qual todo homem mortal é levado a acreditar e que Parmênides busca alertar e evitar.
A verdade só é encontrada na via do ser, e não no mundo sensível, de constante mudança. Enquanto o homem elabora juízos pressupondo a geração e corrupção dos entes, ele estará preso na via da opinião, da aparência enganadora.
Seguindo toda esta lógica, Parmênides afirma no fragmento 3:
o mesmo é a pensar e a ser
Portanto, no poema de Parmênides o ser é fundamento de todo discurso racional, de toda investigação filosófica e o pensamento sempre é direcionado ao ser. O discurso sobre os entes sensíveis que aparecem aos sentidos como tendo um início e fim será sempre um discurso falso, opinião, que identifica ser e não ser, e a corruptibilidade do ser.
Obras consultadas:
O POEMA DE PARMÊNIDES DA NATUREZA, edição do texto grego, tradução e comentários por Fernando Santoro.
REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da filosofia: filosofia pagã antiga. São Paulo: Paulus, 2007.
Como citar este artigo
VIEIRA, Sadoque. O poema de Parmênides: Sobre a natureza. Filosofia do Início, 2021. Disponível em: https://filosofiadoinicio.com/poema-de-parmenides-sobre-a-natureza/. Acesso em: 29 de Set. de 2023.