Dualismo cartesiano: problema mente-corpo

Descartes acreditava que todo comportamento animal e processos internos poderiam ser explicados mecanicamente, assim como muitos comportamentos humanos e muitos processos internos humanos.

Havia, no entanto, uma diferença importante entre humanos e outros animais. Apenas os humanos possuíam uma mente que proporcionava consciência, livre escolha e racionalidade. Além disso, a mente era não-física e o corpo, físico, isto é, o corpo ocupa espaço, a mente não.

No processo de chegar ao primeiro princípio de sua filosofia – “penso, logo existo” – Descartes acreditava ter descoberto que a mente era imaterial. Descartes descreveu o que deduziu deste primeiro princípio:

Depois, examinando atentamente o que eu era e vendo que podia fingir que não tinha nenhum corpo e que não havia nenhum mundo, nem lugar algum onde eu existisse, mas que nem por isso podia fingir que não existia; e que, pelo contrário, pelo próprio fato de eu pensar em duvidar da verdade das outras coisas, decorria muito evidentemente e muito certamente que eu existia; ao passo que, se apenas eu parasse de pensar, ainda que tudo o mais que imaginara fosse verdadeiro, não teria razão alguma de acreditar que eu existisse; por isso reconheci que eu era uma substância, cuja única essência ou natureza é pensar, e que, para existir, não necessita de nenhum lugar nem depende de coisa alguma material. De sorte que este eu, isto é, a alma pela qual sou o que sou, é inteiramente distinta do corpo, e até mais fácil de conhecer que ele, e, mesmo se o corpo não existisse, ela não deixaria de ser tudo o que é (DESCARTES, 2001, p. 38).

O que é o dualismo cartesiano?

Ao dizer que a mente não-física poderia influenciar o corpo físico, Descartes enfrentou o antigo problema da relação mente-corpo.

Ele defendeu que os humanos possuem um corpo que opera de acordo com princípios físicos e uma mente que não está subordinada a estes princípios e, mesmo assim, os dois interagem (influenciam um ao outro).

No problema mente-corpo, Descartes era um dualista, e o tipo de dualismo que ele subscreveu era o interacionismo, às vezes referido como dualismo cartesiano. A questão, claro, é como essa interação ocorre.

Como a mente era considerada não-física, ela não podia ser localizada em nenhum lugar. Descartes acreditava que a mente permeia todo o corpo. Que a mente não está alojada no corpo como um capitão está alojado em um navio é demonstrado pelo fato de que nossas experiências sensoriais embelezam nossas experiências cognitivas – com cores, por exemplo – e pelo fato de sentirmos conscientemente estados corporais como fome, sede e dor.

Nenhuma dessas experiências ou sentimentos seria possível se a mente não estivesse intimamente relacionada ao corpo.

Ainda assim, Descartes procurou um lugar onde a mente exercesse sua influência sobre o corpo. Ele procurou uma estrutura no cérebro porque o cérebro armazenava os espíritos animais.

Além disso, a estrutura tinha que ser unitária porque nossa experiência consciente, embora muitas vezes resulte da estimulação vinda dos dois olhos ou dos dois ouvidos, é unitária. Finalmente, a estrutura tinha que ser exclusivamente humana porque só os humanos possuem uma mente.

A glândula pineal

Descartes escolheu a glândula pineal porque estava cercada por espíritos animais (o que hoje chamamos de líquido cefalorraquidiano), não era duplicada como outras estruturas cerebrais e (ele erroneamente acreditava) era encontrada apenas no cérebro humano.

Era através da glândula pineal que a mente desejava que o corpo agisse ou inibisse a ação. Quando a mente desejava que algo acontecesse, estimulava a glândula pineal, que por sua vez estimulava áreas cerebrais apropriadas, fazendo com que os espíritos animais fluíssem para vários músculos e, assim, provocando o comportamento desejado.

As emoções

Como a mente é livre, ela pode inibir ou modificar o comportamento reflexivo que o ambiente provocaria mecanicamente. As emoções estão relacionadas à quantidade de espíritos animais envolvidos em uma resposta; quanto mais espíritos animais, mais forte a emoção.

As emoções são experimentadas conscientemente como paixões como amor, admiração, ódio, desejo, alegria, raiva ou tristeza. Segundo Descartes, a vontade pode e deve controlar as paixões para que resulte uma conduta virtuosa. Se, por exemplo, a raiva for experimentada e o comportamento raivoso for apropriado, a mente permitirá ou até facilitará tal comportamento. Se, no entanto, tal comportamento for visto como inadequado, a mente tentará inibi-lo. No caso de uma paixão intensa, a vontade pode ser incapaz de impedir o comportamento reflexivo e a pessoa agirá irracionalmente.

Referências

DESCARTES. Discurso do Método. Trad. Maria Ermantina Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

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